- Ana, não sei o que se passa comigo. Nunca fui tão indecisa na minha vida. Ando há uns tempos para cá sem saber se vou ou se fico, se faço ou se paro, se branco ou se preto.
- Maria, certamente estás “naquela” fase.
Sinto a minha testa a enrugar enquanto leio a última linha de resposta na janela do Messenger. Ela antecipou a minha pergunta e continuou a escrevinhar à velocidade da luz.
- A fase em que já não tens as mesmas motivações, em que te descobres vazia de desejos.
- Como se tanto fizesse, preferindo que o Universo decida e sentindo que posso confiar?
- Isso …
De facto, sinto isso mesmo. Este é um momento em que baixo as armas. As armas que eu pensava imprescindíveis para um bom combate nesta vida. Percebo que me rendo, confiando que o céu sabe melhor do que eu.
- Como se tivesse despido uma armadura que me pesava. Percebendo que o esforço é indicativo de que não estou no caminho.
Ana envia-me um emotion sorridente, fazendo-me entender que percebeu exactamente o que eu estava a sentir. Acrescenta como que a confirmar:
- Para além de estares sem armadura, rendes-te de braços abertos, e esperas o sinal do fim da batalha. Podes até estar vulnerável, mas finalmente sem a sensação de um mundo às costas. E na verdade, essa sensação de vulnerabilidade é a tua sensibilidade desenvolvida.
Completa num humor que já lhe conheço:
- Não te preocupes, outras batalhas virão.
E continua a despejar letras. Imagino-a absorta nos pensamentos, a metralhar o teclado para expressar com a mesma rapidez com que pensa.
- Estiveste este tempo todo a limpar emoções residentes nos lugares mais escondidos da tua alma. Tiveste a coragem de te deixares ficar o tempo necessário nessa missão de varrer o lixo acumulado dos teus medos. Paraste a tua vida conscientemente, para poderes deixar que o subconsciente emergisse.
- E agora encontro-me com um EU que não tem referências, porque o passado foi branqueado à luz da consciência.
- Isso …
Ela ajuda-me a encontrar o sentido deste meu estado novo. Sinto uma alegria a crescer dentro de mim, e de repente, surge a epifania que me arrepia a pele:
- Como se estivesse despojada do Ego que me motivou todos os desejos. Que desejos restam sem o ego a guiar-me? Apenas a alma, num querer puro de felicidade por ser EU.
Recebo um coração, uma flor e um sorriso. Partilhando comigo a alegria da revelação, acrescenta:
- Deveríamos celebrar, fazer um ritual de boas-vindas a esta nova Maria!
- Tens foguetes?
- Não, mas tenho balões.
- E um bom vinho?
Sorrio enquanto ela me descreve os pormenores da festa para celebrar um novo ser, de pele renovada, coração limpo e alma livre. Sei que ela vai precisar de mais algumas linhas sem interrupção, e eu leio-as tranquilamente reconhecendo o privilégio desta partilha entre almas.
Afinal, não saber o que quero é simplesmente o sinal de que nada quero, por me sentir satisfeita com o que o Universo me traz, no tempo que eu necessito.
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